quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Introdução

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

História Contemporânea do Brasil









O ABC DA GREVE













Caio Rubens Zinet

Marcela Rocha

Marina Moreira D’Aquino

Paula de Paula Machado




São Paulo, novembro de 2008




A escolha do grupo sobre o tema foi um pouco difícil, pois as possibilidades de fatos importantes ocorridos durante a chamada história contemporânea do Brasil foram muitos. Um dos fatos que determinou, certamente, o grupo a eleger “As greves do ABC” como mote foi o fato de todos os componentes serem militantes do movimento estudantil e, portanto interessados por política.

Uma outra coisa que nos motivou dentro do tema política a escolher especificamente as greves do ABC foi o fato do atual presidente, Luis Inácio Lula da Silva, ter começado seu destaque na política durante as mobilizações no período antecedente a greve e durante a greve, já que era presidente do sindicato dos metalúrgicos dede 1975.

As greves das indústrias automobilísticas do ABC na década de 1970 foram umas das mais importantes do Brasil e deixaram grandes marcas no que se formou em termos de sindicalismo no Brasil nos anos seguinte.

Primeiramente nossa principal problemática era ver as semelhanças e diferenças na cobertura dos jornais da grande impressa e nos jornais considerados de esquerda ou da impressa operária.

Nossas hipóteses eram que a grande imprensa iria fazer uma cobertura mais superficial e tendenciosa aos patrões e aos que se posicionavam contra a greve sendo que a imprensa de esquerda (ou operária) se posicionaria a favor dos grevistas e faria da greve suas principais manchetes e reportagens.

A metodologia empregada para a realização da pesquisa foi consulta em jornais e revistas da época. A instituição visitada para o recolhimento de matérias foi o Arquivo do Estado de São Paulo (Rua Voluntários da Pátria N 596 – São Paulo - SP) e os materiais consultados foram:

Jornal “O Estado de São Paulo” - de 12/05/1978 a 19/05/1878
Jornal “Folha de S. Paulo”- de 12/05/1978 a 19/05/1878
Revista Movimento - todas as semanas do mês de maio de 1978

A partir do primeiro contato com as fontes pudemos perceber que nossas hipóteses foram confirmadas e por isso decidimos incluir na nossa problemática a comparação de cobertura entre os dois maiores jornais de São Paulo da época, A Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo e ver se, mesmo os dois veículos sendo pertencentes ao mesmo tipo de imprensa (jornal diário da grande imprensa), haveria diferenças nos seus posicionamentos durante a cobertura da greve.

Nossas maiores dificuldades foram técnicas já que o Jornal o Estado de São Paulo se encontra em forma de microfilme, as fotos desse material não ficaram legíveis o que fez o grupo ter que voltar algumas vezes às fontes para rever o material pesquisado. Além disso, a revista movimento não estava com seus exemplares encadernados o que provocou a perda de uma página de uma das maiores matérias sobre a greve que este veículo publicou, isso fez com que ficássemos com a falta desses dados para a realização do trabalho.

Folha de S. Paulo


“Os trabalhadores chegaram pouco antes das 7 horas, picaram os cartões de ponto e se dirigiram aos seus setores, contudo, sem ligarem as máquinas. Todas as seções pararam, menos o pessoal do escritório, da segurança e do restaurante. Na fábrica, o pessoal permaneceu em ‘rodinhas’.”


Matéria publicada na Folha de S. Paulo, dia 13 de maio de 1978.




Um dia após a paralisação geral das máquinas da Scania, dia 13 de maio de 1978, a Folha de S. Paulo deu manchete e cobertura do primeiro dia de greve, em São Bernardo do Campo. O acontecimento que culminou na Grande Greve do ABC, marco histórico da luta operária brasileira, foi acompanhada com certa periodicidade pelo jornal, mas, a princípio, com distanciamento político e sem grande destaque.

Na semana em que as publicações do jornal foram analisadas, pode se perceber uma cobertura atenta aos fatos, principalmente, por meio de relatos das reações e comportamentos dos operários, além das negociações com os chefes da fábrica.Relatos e descrições são essenciais para compor o momento, mas a cobertura da Folha de S. Paulo limitou-se a superficialidade. Caracterizou-se pela ausência de contextualização e por dar pouca voz aos próprios operários, protagonistas do movimento.

Não faltaram, entretanto, declarações de Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, de advogados, chefes e diretores ligados às instâncias do trabalho e da própria Scania.A primeira matéria, por exemplo, da qual foi destacado o trecho da reportagem, assim como o fragmento que vem a seguir, ilustram a análise.



“Por volta das 16h00, dois policiais do DOPS, da seccional do ABBC, chegaram ao portão nº 1 da Scania para tomar informações da situação [...]. Enquanto isso, grupos de operadores das empilhadeiras, permaneciam no pátio da firma, ensaiando passos de samba ao som de uma batucada que vinha do hospital psiquiátrico de São Bernardo, em frente à fábrica”.



No dia seguinte, dia 14 de maio, outra matéria sobre o assunto foi publicada. Com a manchete “Paralisações são espontâneas, diz Lula”, a matéria se estende com declarações do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, representante dos operários na causa. Lula justifica os trabalhadores, defende a greve e seus motivos, reivindicando a correção de 20% no salário dos operários.

Com intervalo de um dia sem notícias da situação, em 16 de maio, quinto dia de greve, houve adesão dos operários da fábrica da Ford ao movimento. Novamente saiu matéria na Folha, com cobertura muito semelhante a primeira.

A partir de então, a greve começou a tomar corpo com paralisações em massa dos metalúrgicos. Scania, Ford, Mercedes-Benz, Wolksvagen. Quando foram contabilizados 20 mil grevistas, a Folha deu, pela primeira vez, uma pequena nota na primeira página do jornal. A matéria de meia página, no interior do caderno Economia, mapeou as paralisações por toda região do ABC.

No dia seguinte, novamente ausentou-se de informação e não deu notícias. Completando uma semana de greve, voltou a acompanhar o caso em 19 de maio, com uma pequena nota na capa do jornal estampando a manchete “A paralisação no ABC é ilegal, decide tribunal”. A matéria com fotos e outras alegorias, divulga o resultado do julgamento do TRT ao “dissídio” dos metalúrgicos e condena a greve.

A Folha de S. Paulo, antes vista como jornal engajado, a serviço da esquerda política, demonstrou nesse episódio, falência de sua concepção. A cobertura da greve dos metalúrgicos, um dos maiores fatos políticos do Brasil, demonstrou certa omissão do jornal. Embora apresentasse resquícios de uma postura ideológica, combativa, vinda da época da ditadura militar, ainda assim, nota-se grande distanciamento com o movimento e a causa operária. Aparentemente imparcial, tal conduta jornalística carrega forte potencial político, caracterizando seu posicionamento.

O Estado de São Paulo

O jornal O Estado de São Paulo começou a cobrir a greve desde seu início, sendo que a primeira noticia saiu no dia 13 de maio de 1978. Nesse dia foram três matérias, as duas de maior destaques são as que mostram outros sindicatos do interior que aceitaram o aumento proposto pelos patrões, a segunda matéria é sobre o governo e as suas tentativas de chegar a acordo com os metalúrgicos em greve do ABC e a terceira, e menor, é sobre os sindicatos do ABC e uma explicação breve dos motivos da greve.

O dia 14 de maio tem um espaço na capa do jornal (chamando para uma matéria na página 31) sobre as greves dando dois enfoques: o julgamento da validade ou não da greve no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) e sobre a violência da greve. O título que abre a matéria é “Voltaram os piquetes, até mesmo com antigos excessos”.

O dia 15 de maio trás matérias que mostram o excesso policial nas greves e que a greve estava crescendo foi um dia atípico dentro da cobertura, pois pode se dizer que foi um dia favorável aos grevistas, apesar de não noticiar ainda as razões da greve. Os dias que seguem são de matérias sobre as decisões judiciais, sobre o reajuste, sobre os as fábricas que entraram em greve.
O dia 19 de maio é um divisor na cobertura sobre a greve, em editorial o jornal afirma
“Ninguém pode desconhecer a gravidade da situação que se esboça com a greve do ABC (...) Não se trata ainda de um movimento que ameace a ordem social em seu sentido mais amplo, embora se constitua em um claro desafio a uma decisão da justiça do trabalho, portanto, a um dor órgãos do Estado”, a partir dessa data a cobertura se torna totalmente ligada e a favor dos empresários e do governo.

As três matérias vinculadas nesse mesmo dia já deixam isso claro, todas elas colocam os grevistas como intransigentes e fechados ao diálogo e o governo como aberto a possíveis negociações.
Os títulos das reportagens são:
-“Mais duas tentativas frustradas de acordo”;
-“Oito dias de greve e não há sinal de acordo” e
-“Governo denuncia radicalização”

O dia 20 de maio é marcado por uma matéria com o seguinte título “Governos revê política salarial, sem pressão”, o conteúdo da matéria deixa a entender que a greve não interfere na política salarial do governo. Uma artigo, sem assinatura, na sessão Visão tem o seguinte título “efeitos da greve na economia", decorre sobre os maus da greve para a economia paulistana e que esta deveria para imediatamente.

O jornal O Estado de São Paulo relatou a greve em sua maioria sem ouvir muito o lado dos trabalhadores, preferiu ouvir as vozes oficiais, ou seja, os empresários e representantes do governo. A maioria das matérias veiculadas nos dias pesquisados é contraria a greve, no inicio essa tendência é mais camuflada, mas depois do dia 19 de maio com a publicação do editorial acima mencionado a cobertura fica claramente contra a greve.

Semanário 'Movimento'



Mesmo entendendo o grupo em torno do jornal como sendo de oposição, é possível reconhecer que era acima de tudo aberto às posições heterogêneas.

Para entender como o semanário ‘Movimento’ realizou a cobertura das greves do ABC, é necessário retomar um pouco a formação deste veículo. Esta determina a sua linha editorial.
Movimento teve seu primeiro exemplar lançado no dia 7 de julho de 1975. Junto com o jornal Opinião e O Pasquim foi um dos importantes órgaos de imprensa durante a ditadura militar, reunindo diversos setores da intelectualidade brasileira, sendo um dos exemplos do que se chamava na época, imprensa alternativa.

O principal editor era o jornalista Raimundo Pereira e colaboradores importantes, dentre eles o o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o jornalista Duarte Pereira que mais tarde veio a trabalhar na famosa revista Realidade. Alguns participantes participaram na clandestinidade: Perseu Abramo, Chico Buarque de Holande, Chico Pinto, Fernando Paixoto e Elifas Andreato.

Mesmo composto por pessoas que se opunham veementemente à ditadura, o jornal fazia questão de preservar o jornalismo no seu sentido mais iluminista: a busca pela verdade. Para que isto ocorresse (atentemos para a palavra busca e não relato da verdade) seria necessário seguir o princípio básico do jornalismo: ouvir os dois lados da história.

Inicialmente pensamos que tal veículo se configuraria como panfletário. Mas as hipóteses que levantamos foram quebradas ao longo de nossas pesquisas.


Veja abaixo um pedaço da matéria que destacamos:

O que senti [diretor da fábrica Scânia] disse a um jornalista: Fiquei estupefato. Nunca tinha visto isso na minha vida.[...]

Matéria publicada na Revista Movimento em 22 de maio de 1978.

A fala foi relatada no semanário no dia 22 de maio. E, justamente por circular apenas uma vez por semana é que expandimos o nosso corpus. Fomos analisar nas demais semanas que se sucederam.
Em um outro parágrafo da mesma reportagem mencionada acima, a fonte do jornalista passa a ser o sindicalista Luis Inácio ‘Lula’ da Silva.


[..] Luis Inácio da Silva, o Lula,

garante que de nada sabia.

Um operário telefonou pra cá, avisando a gente.

Matéria publicada na Revista Movimento em 22 de maio de 1978.


O trecho em destaque nos mostra claramente a forma espontânea com que se deu a greve. Fábricas foram parando, jornais noticiando, operários se informavam e organizavam para parar suas fábricas também. Tal movimento do operariado é relatado ao longo da matéria usada como corpus deste trabalho.

Como tentamos mostrar a pluralidade de fontes como uma característica basilar do jornalismo praticado em Movimento. Utilizam-se de vozes oficiais, oficiosas e primárias – aqueles que vivem diretamente a experiência, seja como testemunha ocular ou participante ativa.

Como passar de uma semana, uma matéria de grande destaque no semanário foi uma denúncia à alemã Volkswagen. Intitulada por ‘A capitania da Volkswagen’ e assinada por Sérgio Buarque, a matéria trazia sérias acusações sobre a montadora alemã.



“A empresa alemã veio fabricar carros, mas hoje tem


uma capitania no Pará: 140 mil hectares,


para a criação de 110 mil bois.


E tudo é financiado pelo governo com


o dinheiro do nosso imposto de renda”.
Matéria publicada na Revista Movimento em 29 de maio de 1978.



O teor da matéria é todo em tom acusativo e investigativo. Para mostrar os reais interesses das empresas instaladas no ABC: lucrar com a mais-valia dos trabalhadores.

A importância dada ao fato histórico que se encorpava no ABC Paulista era tanta que as capas dos jornais em suma abordavam o assunto.
No caso mais específico, Movimento dava capas amplas e que funcionavam como incentivo à greve:

O verbo usado na placa é quase um convite aos demais trabalhadores: As fábricas param. Pare.

O movimento tornou concreta a máxima de Karl Marx: Trabalhadores do mundo uni-vos!

Conclusão

As expectativas da pesquisa foram quase todas confirmadas, o tratamento dado pelos grandes jornais a greve foi irrisório em relação a importância do momento histórico. Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo durante todo o período deram as maiores manchetes para a sucessão presidencial, sendo que o espaço reservado para a greve não passou de duas páginas.

A cobertura da greve, por esses jornais foi feita de maneira superficial se atendo a oficialidade, as decisões judiciais e aos resultados das reuniões entre os lideres sindicais e o patronato. Há, no entanto, algumas diferenças entre os dois grandes jornais de São Paulo.


A Folha de S. Paulo assumiu um caráter menos agressivo contra a greve, as matérias ainda dão voz a alguns grevistas, embora isso aconteça poucas vezes, é possível detectar algum resquício de voz aos grevistas. Diferentemente do jornal O Estado de São Paulo que na maioria da vezes nem que se quer ouvia os grevistas, esporadicamente uma frase de Luís Inácio Lula da Silva aparecia. O corpo dos trabalhadores em greve não teve voz na cobertura do Estado.



O jornal Movimento fez uma cobertura que explicava as razões da greve e tentava mostrar que pela primeira vez na ditadura militar operários organizados conseguiam se levantar contra os patrões.A cobertura ouviu muito os operários e tentou fazer um relato dos acontecimentos sobre a perspectiva dos grevistas. Essa foi a principal e esperada diferença na cobertura, a grande mídia ouviu o lado oficial e a mídia alternativa fez uma cobertura mais completa e sobre a perspectiva dos grevistas.