quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Folha de S. Paulo


“Os trabalhadores chegaram pouco antes das 7 horas, picaram os cartões de ponto e se dirigiram aos seus setores, contudo, sem ligarem as máquinas. Todas as seções pararam, menos o pessoal do escritório, da segurança e do restaurante. Na fábrica, o pessoal permaneceu em ‘rodinhas’.”


Matéria publicada na Folha de S. Paulo, dia 13 de maio de 1978.




Um dia após a paralisação geral das máquinas da Scania, dia 13 de maio de 1978, a Folha de S. Paulo deu manchete e cobertura do primeiro dia de greve, em São Bernardo do Campo. O acontecimento que culminou na Grande Greve do ABC, marco histórico da luta operária brasileira, foi acompanhada com certa periodicidade pelo jornal, mas, a princípio, com distanciamento político e sem grande destaque.

Na semana em que as publicações do jornal foram analisadas, pode se perceber uma cobertura atenta aos fatos, principalmente, por meio de relatos das reações e comportamentos dos operários, além das negociações com os chefes da fábrica.Relatos e descrições são essenciais para compor o momento, mas a cobertura da Folha de S. Paulo limitou-se a superficialidade. Caracterizou-se pela ausência de contextualização e por dar pouca voz aos próprios operários, protagonistas do movimento.

Não faltaram, entretanto, declarações de Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, de advogados, chefes e diretores ligados às instâncias do trabalho e da própria Scania.A primeira matéria, por exemplo, da qual foi destacado o trecho da reportagem, assim como o fragmento que vem a seguir, ilustram a análise.



“Por volta das 16h00, dois policiais do DOPS, da seccional do ABBC, chegaram ao portão nº 1 da Scania para tomar informações da situação [...]. Enquanto isso, grupos de operadores das empilhadeiras, permaneciam no pátio da firma, ensaiando passos de samba ao som de uma batucada que vinha do hospital psiquiátrico de São Bernardo, em frente à fábrica”.



No dia seguinte, dia 14 de maio, outra matéria sobre o assunto foi publicada. Com a manchete “Paralisações são espontâneas, diz Lula”, a matéria se estende com declarações do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, representante dos operários na causa. Lula justifica os trabalhadores, defende a greve e seus motivos, reivindicando a correção de 20% no salário dos operários.

Com intervalo de um dia sem notícias da situação, em 16 de maio, quinto dia de greve, houve adesão dos operários da fábrica da Ford ao movimento. Novamente saiu matéria na Folha, com cobertura muito semelhante a primeira.

A partir de então, a greve começou a tomar corpo com paralisações em massa dos metalúrgicos. Scania, Ford, Mercedes-Benz, Wolksvagen. Quando foram contabilizados 20 mil grevistas, a Folha deu, pela primeira vez, uma pequena nota na primeira página do jornal. A matéria de meia página, no interior do caderno Economia, mapeou as paralisações por toda região do ABC.

No dia seguinte, novamente ausentou-se de informação e não deu notícias. Completando uma semana de greve, voltou a acompanhar o caso em 19 de maio, com uma pequena nota na capa do jornal estampando a manchete “A paralisação no ABC é ilegal, decide tribunal”. A matéria com fotos e outras alegorias, divulga o resultado do julgamento do TRT ao “dissídio” dos metalúrgicos e condena a greve.

A Folha de S. Paulo, antes vista como jornal engajado, a serviço da esquerda política, demonstrou nesse episódio, falência de sua concepção. A cobertura da greve dos metalúrgicos, um dos maiores fatos políticos do Brasil, demonstrou certa omissão do jornal. Embora apresentasse resquícios de uma postura ideológica, combativa, vinda da época da ditadura militar, ainda assim, nota-se grande distanciamento com o movimento e a causa operária. Aparentemente imparcial, tal conduta jornalística carrega forte potencial político, caracterizando seu posicionamento.

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